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O Gênio do Crime e a onda das  figurinhas da Copa
Por Haroldo Ceravolo Sereza

Autor do cultuado livro infantil, João Carlos Marinho rejeita comparações entre sua história e a nova mania

A nova mania de colecionar figurinhas da Copa do Mundo traz à mente um cultuado livro infantil, “O Gênio do Crime”, lançado em 1969 e hoje na 58ª edição. O livro começa com a busca empreendida por uma turma de crianças por uma figurinha muito difícil para preencher o álbum. Aos poucos, se transforma numa história de suspense policial. Para o autor da obra, João Carlos Marinho, não é possível, porém, fazer muitas comparações entre seu livro e a febre agora provocada pelo álbum da Copa.

Num e-mail pessoal, mas avisado de que as respostas poderiam ser publicadas na internet, Marinho diz que elementos relacionados ao futebol são pouco significativos ou estão mesmo ausentes da trama.

De fato, a figurinha difícil do jogador Rivelino, então no Corinthians, que os personagens Edmundo e Pituca tentam obter no início do livro, funciona apenas como motivo inicial da obra.

Depois que a aventura se inicia, o problema da figurinha fica menor diante das revelações que o livro traz. Primeiro, é explicado o mistério da figurinha difícil: é ela que gera a febre e a busca incessante por novos envelopes, que garantem o lucro do fabricante.

Mas o fabricante enfrenta a concorrência desleal que, hoje em dia, chamamos de pirataria. E uma pirataria comandada por um gênio do crime, investigado por crianças que andam por toda a cidade de São Paulo, do centro à beira do rio Tietê.

“Se eu permitisse que uma força tão vibrante como o futebol fosse se intrometendo no livro a cada instante, isso me tiraria o foco dramático intenso da perseguição do cambista, dos perigos por que passa o (personagem) Gordo, a aventura dos meninos para acharem a fábrica e salvarem o Gordo, eu estaria tirando o leitor continuamente para ‘fora do livro’, o que seria uma coisa de amador”, diz Marinho.

Com ironia, ele completa: “Uma façanha incomum, tanto mais que o autor, eu, sou fanático por futebol, mas pela literatura eu faço qualquer sacrifício”.

Marinho, que era um advogado trabalhista em 1969, quando publicou “O Gênio do Crime”, escreveu logo em seguida “Caneco de Prata”, um livro infantil de narrativa não-linear –que ele apresenta aos leitores como uma “aventura surrealista”. Em 1983, voltou a publicar um livro de grande sucesso, “Sangue Fresco”, em que a turma do Gordo é sequestrada e levada para a Amazônia.

Há alguns anos, quando preparava um dos seus livros mais recentes (são 12 obras que têm como protagonista a turma de “O Gênio do Crime”), Marinho foi entrevistado por mim. Eu havia lido seu livro no começo da década de 1980, ainda criança, pouco antes ou pouco depois de tentar completar, sem sucesso, um álbum de figurinhas distribuídas em chicletes.

Naquela conversa, realizada em Monte Verde, cenário de algumas de suas obras, ele falou bastante de literatura, mas, sobretudo, de futebol.

Desde então, Marinho costuma responder meus e-mails, exceto quando sugiro que ele publique, num único volume e para adultos, todos os livros da coleção -sobre o que ele sempre silencia.

Diante da nova onda do álbum da Copa e das notícias de roubo de figurinhas na região do ABC (SP), enviei meia dúzia de perguntas despretensiosas (reproduzidas abaixo) a ele, que respondeu com um misto de impaciência e amizade.

Nas respostas, Marinho também conta que “Gênio do Crime” deve ganhar uma nova versão cinematográfica. A primeira foi feita em 1973. Dirigido por Tito Teijido, o filme se chamou “O Detetive Bolacha Contra o Gênio do Crime”. Para o autor, a violência urbana atual será um assunto que terá que ser enfrentado pelo novo produtor.

Leia a seguir a carta e as respostas de Marinho.

“Caro Haroldo,

Você é um amigo que sempre deixa saudade, vê se aparece. Para responder as suas perguntas é preciso estabelecer um corolário básico que tanto na intenção do autor como na reação do público, não deixa margem a dúvidas.

A paixão futebolística, a vibração com os ídolos e com os estádios, a atenção sobre os campeonatos em andamento, a lembrança dos passados, a própria relação física entre as figurinhas e seus representados são elementos total ou absolutamente ausentes em “O Gênio do Crime”.

Nem mesmo chega a ser um livro sobre figurinhas de futebol, a não ser de maneira extremamente secundária e quase imperceptível.

As crianças são as que sabem melhor disso: nesses 40 anos de contato com os leitores não recebi mais de oito perguntas sobre futebol, nunca sobre o enredo, mas como curiosidade marginal referente à camisa do Corinthians, que o Alex leva na fotografia da quarta capa.

As únicas pessoas que perguntam sobre isso são as que não leram o livro ou as que, como você, excitadas pelo fato novo desse álbum novo, são levadas automaticamente a fazerem uma aproximação com um livro que, embora "en passant", falou de figurinhas.

Mas você foi um bom leitor do “Gênio”, então é fácil lembrar:

1) O livro começa com Edmundo querendo encher o álbum e com uma fábrica que dá prêmios bons. O futebol não entra em cena.

2) Edmundo e Pituca procuram o Rivelino com a única finalidade de saber se o Rivelino pode ser útil a eles, dando-lhes a figurinha dele. Nem pedem autógrafo. Nem elogiam, nem se referem a nenhum jogo do Rivelino, nem se interessam em assistir a algum deles.

3) Compram o Rivelino do cambista, e daí para a frente tanto o futebol como a paixão por figurinhas somem do livro. Os dramas únicos são encher álbum (revolta na fábrica) e depois o único e exclusivo drama é seguir o cambista, achar a fábrica clandestina, depois achar o Gordo, que ficou preso, depois soltá-lo e se despedir do Mister.

4) O álbum de futebol deu um colorido inicial e depois tantos problemas, que a simples existência do mundo no futebol é considerada não existente.

5) É fácil notar que o livro se desenvolve por várias semanas, onde há o jogo do próximo domingo, e o jogo do domingo que passou: ninguém toca em uma palavra sobre isso, ninguém discute uma escalação ou um lance, daí a minha afirmação de que a "emoção" do futebol está excluída de “Gênio do Crime”. Ninguém dá a mínima. Depois que começam a seguir o cambista, podia ser uma coleção de borboletas, animais caçadores, e isso não mudaria nada. É claro que a pitada de futebol em cima deu o pontapé inicial no livro: só.

A razão é muito simples: se eu permitisse que uma força tão vibrante como o futebol fosse se intrometendo no livro a cada instante, isso me tiraria o foco dramático intenso da perseguição do cambista, dos perigos por que passa o (personagem) Gordo, a aventura dos meninos para acharem a fábrica e salvarem o Gordo, eu estaria tirando o leitor continuamente para ‘fora do livro’, o que seria uma coisa de amador. Obedeci ao velho Boileau: unidade de ação.

Uma façanha incomum, tanto mais que o autor, eu, sou fanático por futebol, mas pela literatura eu faço qualquer sacrifício.

Agora as suas perguntas:

Você está acompanhando a febre desencadeada por este novo álbum de figurinhas?

Não estou acompanhando a febre do novo álbum. Eu só me interessei por álbum de futebol até 13 anos, depois nunca mais. Uma coisa em comum com o livro é que, quando eu colecionava, eu pouco estava me importando com a qualidade, a personalidade ou o time da figurinha, eu só queria saber se era fácil ou difícil. E, sobretudo, eu só queria consegui-la. Nunca personalizei as figurinhas fora do que elas valiam no álbum, nem fiz relações delas com o mundo do futebol.

Você está colecionando? Tem alguma figurinha difícil?

Não estou colecionando.

Na região do ABC, foram roubadas milhares de figurinhas. Qual é o significado disto, mais de 40 anos depois da publicação de “O Gênio do Crime”?

Não fiquei sabendo, mas pelo jeito não em relação com uma "fábrica clandestina", nem com um "anão de óculos", nem com um "cambista".

Hoje o Gordo teria dificuldades para circular em São Paulo. Como ele faria a investigação desse crime?

Sem dúvida, infelizmente o Gordo não teria hoje uma cidade tão acolhedora e poética para circular, seria difícil os meninos ficarem sozinhos de noite, num tenda, no matinho à beira do rio. Lembre-se daqueles adolescentes que foram acampar na periferia, o moço fugiu, mas a moça ficou prisioneira e foi barbaramente estuprada e feito "escrava" por mais de uma semana.

O Gordo não tinha que enfrentar o ódio e a violência gratuitas, tão bem antecipados por Truman Capote no seu “A Sangue Frio”, de 1959, no qual, por US$ 200, dois bandidos exterminam e torturam uma família inteira. O contrato para a nova filmagem do “Gênio do Crime” está sendo elaborado e será assinado até 19 de maio: o produtor vai ter que enfrentar ou contornar esse problema.

Por que, mesmo com internet, as pessoas preferem o álbum de papel às informações digitais?

Acho que o álbum de papel -como também o de selos e de outras coleções-, ficou muito marcado, assim como o livro de papel. Tem aquele manuseio, o ato de virar página, de levar por aí, abrir, olhar... A internet ainda não substituiu os livros e os álbuns.

Teve gente que usou o álbum para defender que Neymar substituísse Adriano. E aí, qual seria seu time para a Copa?

Há elementos mais poderosos do que o álbum para achar que Neymar seja colocado no lugar de Adriano. O Adriano, segundo o próprio Tostão, é um grosso, um gordo, só chuta com um pé. A convocação do Neymar é obvia. Primeiro, porque ele não iria como titular, seria o reserva do Luis Fabiano, mas teria condição de ganhar a posição.

Se o Luis Fabiano tivesse outro reserva, o Dunga poderia argumentar, com as dezenas de exemplos de "fenômenos de três meses" que não deram nada depois, muitos deles tendo começado infinitamente melhores do que começou Neymar, como o Sávio, o Giovanni, o Edmilson, o Caio, o França, o Dodô, o Gil, o David.

Isso, sem contar os que pareciam gênios e não passaram de jogadores apenas regulares, como Djalminha, o Muller, o Diego do Santos, o Renato do Santos etc., que todo mundo jurava de pé junto que seriam gênios e sempre desapareceram com a camisa da seleção.

Mas tem um exemplo muito mais forte que o Neymar ai na nossa frente, a exigir convocação: é o meio de campo Thiago Mota do Milan, que vem jogando maravilhas e colocou o Messi no bolso.

Sobre o meu time para a Copa, acontece que o Brasil não tem um bom plantel, excetuando a defesa. Kaká é bom, mas não chega aos pés dos supercraques do passado e do presente, de um Cristiano Ronaldo, por exemplo. E o Kaká tem um problema físico.

Não temos um excepcional meio de campo e não temos ataque. De modo que eu acabo concordando com o Dunga: tem que funcionar na união, na base do trabalho feito, na valentia, “alla italiana” (que ganhou a Copa de 2006 na base da fibra, só).

A Espanha tem o melhor meio do campo do mundo, mas não tem boa defesa nem bom ataque. A Inglaterra é um dos candidatos, mas depois que um jogador começou a dormir com a mulher do outro a coisa azedou. Acho que a Argentina tem o time mais equilibrado, eu apostaria neles.

Não é uma boa safra, sobretudo na frente. Eu escalaria: Julio Cesar, Maicon, Lucio, Juan e um lateral a escolher, Gilberto Silva (na base do trabalho bem feito), Elano, Thiago Mota e Kaká, Luis Fabiano e Robinho.

Observação: O Daniel Alves, que muitos gostariam de ver no meio, tem feitos partidas pobres, tem mostrado recursos técnicos muito limitados, e seu potencial técnico foi exagerado.

Um abraço saudoso,
João

Haroldo Ceravolo Sereza
É jornalista. Dirige o site "Opera Mundi" (www.operamundi.com.br).

Fonte: Tropico - Publicado em 27/4/2010

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